terça-feira, 28 de outubro de 2014

Se não existissem dias maus, como identificaríamos um dia bom?

Há dias para tudo. Para sorrir, para viver sem horários. Mas, os dias de gostar de nada também existem. E que duros são eles! Os olhos incham, as expectativas caem - ainda mais -; tudo parece negro, mas o mundo não pára de girar. Dá voltas e voltas. No entanto, existem momentos e situações que não movem à velocidade do mundo. Não. Ficam da mesma forma desde aquele momento que ansiávamos - pelo bem e pelo mal que o mesmo representa. E assim fica até algo mudar. Até duas partículas colidirem e acontecer uma ligeira descarga de energia. Ligeira, claro está. Mas é energia. Às vezes, não a tenho. Ela esgota-se, escasseia. Mas há dias em que é mesmo necessário que os olhos inchem e que o mundo pareça ter sido engolido por um buraco negro. Quer dizer, se não exisistissem dias maus, como identificaríamos um dia bom?

sábado, 25 de outubro de 2014

Tem tempo para sofrer

Gostaria de ter a idade dele. A tenra idade dele. Ele olha, mas não vê. Ouve, mas não assimila. Pensa, mas tem a possibilidade de guardar tudo numa gaveta escura e empoeirada. Aquelas da cabeça, que estão dispostas por secções e permitem arquivar o que nos faz mal à alma. O infortúnio acontece quando uma delas se abre involuntariamente; quando as dobradiças já estão tão enferrujadas de abrirmos tantas vezes aquelas gavetas, que a gaveta se expõe sem termos intenção. Tantas vezes a aceder à informação que está na gaveta, sendo bom ou mau para o ser, que depois existe dificuldade em mantê-la fechada. Mas... Voltando ao cerne da questão. O meu primo, o rapaz em tenra idade. Aquele que olha, ouve e pensa, mas que não tem preocupação. Não o condeno: todos os dias as nossas mães dizem-nos que não temos a obrigação tramada de cuidar frequentemente da minha avó. É tramada, suga a alma e somos confrontados com a velhice dos nossos. Vejo-a todos os dias, não dispenso. Já acredito que tudo acontece mais rápido do que se fala nos livros; tenho medo que seja ainda mais rápido do que penso. Então, estou sempre disponível, mas, em momentos, sinto-me triste sentada ao seu lado, enquanto ela não mexe o lado direito do seu corpo, não constrói um discurso coerente e não dá tudo de si como dava. Sinto-me triste, mas a minha licenciatura e os meus anos de idade pressupõem que sou um braço direito das filhas da minha avó. E sou, ou tento ser. Mas ele não, está descontraído, ainda não alcançou a idade do sofrimento. Ainda bem para ele. Sinto falta disso, da fugacidade dos sentimentos. Os pais, até uma determinada idade, não nos dão a entender que devemos ser totalmente disponíveis. Podemos ser crianças, felizmente pude. E ele também pode. Está a sê-lo. Na maior das plenitudes. Olha para as rugas da minha avó, mas não vê o que essa condição traz. Ouve tudo, mas não consegue perceber a gravidade do acontecimento e que a morte está mais implícita que nunca. Pensa, contudo não reflete. Não precisa de o fazer, é uma criança, deve sê-lo. Tem tempo para sofrer.