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Do florido coração de Maria Violeta, com amor.
sábado, 25 de outubro de 2014
Tem tempo para sofrer
Gostaria de ter a idade dele. A tenra idade dele. Ele olha, mas não vê. Ouve, mas não assimila. Pensa, mas tem a possibilidade de guardar tudo numa gaveta escura e empoeirada. Aquelas da cabeça, que estão dispostas por secções e permitem arquivar o que nos faz mal à alma. O infortúnio acontece quando uma delas se abre involuntariamente; quando as dobradiças já estão tão enferrujadas de abrirmos tantas vezes aquelas gavetas, que a gaveta se expõe sem termos intenção. Tantas vezes a aceder à informação que está na gaveta, sendo bom ou mau para o ser, que depois existe dificuldade em mantê-la fechada. Mas... Voltando ao cerne da questão. O meu primo, o rapaz em tenra idade. Aquele que olha, ouve e pensa, mas que não tem preocupação. Não o condeno: todos os dias as nossas mães dizem-nos que não temos a obrigação tramada de cuidar frequentemente da minha avó. É tramada, suga a alma e somos confrontados com a velhice dos nossos. Vejo-a todos os dias, não dispenso. Já acredito que tudo acontece mais rápido do que se fala nos livros; tenho medo que seja ainda mais rápido do que penso. Então, estou sempre disponível, mas, em momentos, sinto-me triste sentada ao seu lado, enquanto ela não mexe o lado direito do seu corpo, não constrói um discurso coerente e não dá tudo de si como dava. Sinto-me triste, mas a minha licenciatura e os meus anos de idade pressupõem que sou um braço direito das filhas da minha avó. E sou, ou tento ser. Mas ele não, está descontraído, ainda não alcançou a idade do sofrimento. Ainda bem para ele. Sinto falta disso, da fugacidade dos sentimentos. Os pais, até uma determinada idade, não nos dão a entender que devemos ser totalmente disponíveis. Podemos ser crianças, felizmente pude. E ele também pode. Está a sê-lo. Na maior das plenitudes. Olha para as rugas da minha avó, mas não vê o que essa condição traz. Ouve tudo, mas não consegue perceber a gravidade do acontecimento e que a morte está mais implícita que nunca. Pensa, contudo não reflete. Não precisa de o fazer, é uma criança, deve sê-lo. Tem tempo para sofrer.
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